Caminhos de S. Tiago.

 
O Caminho de Santiago entre Vila Real e Mondim, ou também denominado pelo Caminho de Terras de Basto, tem origem medieval. No século XV, o Barão Leon Rosmithal da Boémia atravessou Portugal a caminho de Santiago de Compostela com passagem pelas Terras de Basto. Apesar das informações históricas à cerca deste caminho serem escassas, predominam uma série de sinais jacobeus ainda ativos, sobretudo em Mondim de Basto, tais como a secular peregrinação de Santiago, que se realiza todos os anos na noite de 24 para 25 de julho, sendo referenciada no início do século XVI, onde os peregrinos sobem ao santuário de Nossa da Senhora da Graça no alto do Monte Farinha, coincidindo com as festas do concelho e que comemoram o culto a Santiago; e a realização da própria feira na mesma data (Magalhães, 1995, p. 330). De forma geral, o caminho materializa-se a partir de Vila Real. Progressivamente deixa-se o meio urbano para entrar num meio predominantemente agrícola e rural. ...
É na aldeia da Anta, no concelho de Mondim de Basto, que tem início o percurso sinalizado com as notórias setas amarelas. De seguida, surge o lugar de Bobal, pertencente à freguesia de Bilhó, onde existe um cruzeiro dentro de uma capela, denominada por “Senhor do Bom Caminho”. Parente alude que na padieira da porta, do lado exterior, encontra-se a seguinte inscrição: «SY – DE BOM CAMINO / ESFA MANDOU EAZEY POY DUA / DE BOZON BENFO PALMEIRO / GALEGO – 1823», aludindo à passagem de peregrinos por esta região. A partir de Bilhó, o caminho continua em direção ao lugar de Travassos, alcançando a estrada que liga à Senhora da Graça. A Irmandade dos Peregrinos do Caminho de Santiago por Terras de Basto procedeu à criação de duas rotas alternativas. A rota principal leva por um percurso descendente até à Levada do Piscaredo , passando pela aldeia de Vila Chã. Este percurso constitui uma alternativa ao caminho do Monte Farinha e à respetiva igreja de peregrinação de Nossa Senhora da Graça. O santuário da Senhora da Graça é uma obra em estilo barroco e foi edificado no século XVIII. Trata-se de um dos principais santuários do Norte de Portugal e dos mais concorridos de entre Douro e Minho . Possui “(..) para além do culto a São Veríssimo e a Nossa Senhora, também o culto São Tiago no seu dia” (Pereira, 2000, p. 20). Importa referir que a Romaria de São Tiago é referenciada em documentos desde o século XVI, encontrando-se, provavelmente, relacionada com os caminhos dos peregrinos. “De repente, organizada, se transforma a peregrinação e 25 de julho é eleito para romaria geral. Em honra de S. Tiago, o santinho da Senhora que por notável coincidência é louvado liturgicamente com o São Cristóvão da Vila e o São Veríssimo do Outeiro” (Oliveira, 1993, p. 25). A peregrinação de Santiago em Mondim de Basto é considerada uma das emblemáticas e maiores romarias de Trás-os-Montes e do norte de Portugal. O largo de São Tiago situa-se num recinto que antecede o Monte Farinha. No topo de uma rocha foi colocada uma imagem de Santiago, identificando o local de acesso ao santuário da Senhora da Graça e que marca o lugar de passagem dos peregrinos. A partir do santuário, o caminho desce até Mondim de Basto, aproveitando o antigo caminho dos romeiros com passagem pelas capelas. Situada no centro de Mondim de Basto, a capela do Senhor, em estilo barroco, é classificada como Imóvel de Interesse Público e foi edificada nas primeiras décadas do século XVI. Inicialmente possuía um alpendre e terá servido de albergue aos peregrinos que demandavam o percurso de Mondim a caminho de Santiago de Compostela. No centro da vila de Mondim, o caminho dividia-se e prosseguia em duas direções distintas: um em direção a norte, até Atei (Capela, Borralheiro e Matos, 2006) e outro em direção a Celorico de Basto. Neste percurso, atravessando a ponte de Mondim sobre o rio Tâmega, o caminho continuava por Celorico, onde a toponímia remete para a passagem do Caminho de peregrinação: São Tiago de Gagos e São Tiago de Ourilhe. Os peregrinos prosseguiam em direção a Santa Senhorinha de Basto, no concelho de Cabeceiras de Basto, convertido num centro de peregrinação interna, como defende Marques (Marques, 2006, p. 259). 
Importa referir que vários troços do Caminho em Mondim correspondem a velhos traçados medievais, que ainda preservam os seus troços lajeados e que permitiam a ligação de diversos lugares referidos em documentação dos séculos XII, XIII e XIV (Dinis, 2009, p. 40). Possivelmente, os caminhos desta região entroncavam na via do Marão (Balsa, 2017). Atualmente existem testemunhos que muito provavelmente terá existido uma variante do Caminho em Mondim de Basto e que teria o seguinte itinerário: Lamas de Olo – Fervença – Ermelo – Vilar de Viando – Mondim. A ponte de Vilar de Viando, de origem medieval e que foi reedificada em 2003 após a sua ruína total, integra os itinerários dos caminhos de peregrinação a Santiago. De acordo com António Dinis, “esta ponte fazia parte do trajeto entre Ermelo e Mondim, a qual integrava, também a ponte da Várzea, sobre o rio Olo, exemplar que deverá datar do século XIII, considerando as dezenas de siglas gravadas no intradoso do seu único arco” (Dinis, 2009, p. 40). De forma geral, são caminhos seculares que serviram de acesso às várias localidades de Basto e por onde os peregrinos, oriundos “de Vila Real, arribando por Lamas D´Olo, pela Anta e por Bilhó, atravessando Vilar de Ferreiros e depois trepando ao Monte, para descer a Mondim” (Oliveira, 1993, p. 23) rumavam a Santiago de Compostela. Como foi referido anteriormente, a partir da vila de Mondim de Basto continuava pelo concelho vizinho de Celorico de Basto, transpondo o Tâmega. Na Idade Média, o rio Tâmega constituiu uma barreira natural que dificultava a travessia das populações e dos peregrinos. Desta forma, os contributos provenientes sobretudo de populações nortenhas, incluindo doações pias, permitiram edificar as pontes de Amarante, de Cavez (cf. Craesbeeck, 1992, p. 384) e de Mondim para ser possível transpor o rio Tâmega, como refere (Marques, 1992, p. 126; Magalhães, 2005, p. 67). Se por um lado é demonstrada preocupação com os peregrinos, por outro mostra a devoção existente ao Apóstolo Santiago. Antes de serem construídas as pontes medievais de São Gonçalo em Amarante (1250) e da ponte de Cavez entre Ribeira de Pena e Cabeceiras de Basto no século XIII (Valladares, 1979), a travessia do rio Tâmega só podia ser feita através de barco. Perante isto, “a passagem do rio só poderá ter sido efetuada num dos muitos vaus que se encontravam a norte, já no concelho de Mondim de Basto, seguindo um dos mais antigos percursos que ligava Lamego a Chaves, passando por Paradança, Mondim de Basto, através da Media Via” (Teixeira, 2000, p. 36). Luís Oliveira contextualiza esta situação onde os peregrinos que percorriam os vários caminhos de Santiago provenientes de Lamego e rumando a Vila Real, que passavam por Lamas De Olo, pelas aldeias de Anta e Bilhó, atravessando Vilar de Ferreiros e o Monte Farinha para descerem à vila de Mondim, tinham que atravessar o rio Tâmega em barcas para prosseguirem até Braga, local de convergência do norte do país (Oliveira, 1993, pp. 23-24). No século XVI, em Mondim foi edificada uma ponte sobre o rio Tâmega, uma vez que até aqui, a ligação a Celorico de Basto era feita somente por barcas. Esta ponte, destruída pela ação do impetuoso rio, seria substituída pela atual, erguida mais a jusante, no ano de 1882. A predominância de várias referências e evidências históricas permite reconstituir com fiabilidade o Caminho de peregrinação das Terras de Basto nestes dois concelhos transmontanos.
  
 
"Em torno do Caminho Português Interior de Santiago: o caminho de Santiago por Terras de Basto (Vila Real-Mondim de Basto)", por Pedro Ricardo Coelho de Azevedo.
Este artigo foi publicado em #Património cultural jacobeu, turismo e peregrinação: O Caminho Português Interior de Santiago de Compostela (CPIS), com coordenação de Xerardo Pereiro.