NICHOS, CAPELINHAS E PAINÉIS DE AZULEJOS.

 

"Ó tu mortal que me vês / Repara bem como estou / Eu já fui o que tu és / E tu serás o que eu sou". Confrontar os vivos que passam, apontando-lhes a relativa fragilidade da vida e o peso inevitável da morte é uma marca comum a praticamente todas as alminhas dos portugueses, às milhares de alminhas dispersas pelo país.
 
    As suas imagens, representando almas de defuntos no Purgatório, suplicam a quem passa rezas e esmolas para chegarem ao Céu. 
 Portugal é o único país que, na sequência do Concílio de Trento (1545-1563), criou os monumentos que são marcas profundas da religiosidade popular.

Portugal é o único país do mundo que possui no seu património cultural, localizadas habitualmente à beira de caminhos rurais e em encruzilhadas, as alminhas, representações populares das almas do Purgatório que suplicam rezas e esmolas e que frequentemente surgem em microcapelinhas, padrões, nichos independentes ou incrustados em muros ou nos cantos de igrejas, painéis de azulejo ou noutras estruturas independentes. Mas uma grande parte deste património representativo da religiosidade popular portuguesa está a degradar-se crescentemente, rodeada por silvas, alvo de actos de vandalismo avulso e reflexo directo e generalizado da pressa da vida actual, do abandono das zonas rurais do país e da indiferença que predomina nas autarquias em relação aos pequenos monumentos saídos da imaginação e da devoção do povo.

Até há poucos anos atrás, era normal "a quem passasse junto às alminhas, parar, curvar-se e tirar o barrete [ou chapéu] em respeito, pôr flores, acender uma vela ou lamparina de azeite, fazer o sinal da cruz e rezar o Pai Nosso e Ave Maria, correspondente à sigla P.N.A.M., existente como relembratório junto a muitos nichos e capelinhas que apelam às rezas cristãs".

nota: Centenas de alminhas marcam homicídios que chocaram as comunidades, ajustes de contas, amores mal resolvidos ou locais que ficaram cravados pelo sangue de um despiste de um automóvel ou outro tipo de veículo.

foto de nicho na Via Cova, Mondim de Basto.

Imagem da capelinha no Bezerral, Vilarinho.

Devoção Mariana em Portugal 

O culto à Virgem Maria existe praticamente desde que se começou a prestar culto a Jesus Cristo (Duarte, 2014). Maria foi declarada “Mãe de Deus” no Concílio de Éfeso, no ano de 431 (século V), momento em que, segundo Carvalho (2013), foi colocada no centro da cristandade, proporcionando a sua progressiva adoração através de cultos e orações. A oração “Avé Maria”, conhecida na época medieval como “Saudação Angélica”, tornou-se conhecida a partir do século XIII, sendo, atualmente, a oração mariana mais conhecida em todo o mundo. Segundo Costa (1957), durante a Idade Média, a fé era vivida de forma intensa sendo a confiança, com a Virgem, ilimitada, pois Ela era a ligação de Deus com os Homens. Nesta época fixaram-se datas de festas no calendário litúrgico, foram criados hinos, construídas catedrais, igrejas e capelas, tudo em honra de Maria, “acentuou-se o fenómeno das aparições e multiplicaram-se os milagres e Cantigas de Santa Maria.” (Dias, 1987, p. 228).
Ao longo dos séculos XVI a XVIII, verificou-se uma sequência de acontecimentos históricos que enalteceram o culto à Virgem Maria. Entre 1545 e 1563, quando decorreu o Concílio de Trento, a Virgem Maria tornou-se o epicentro da cultura visual sendo representada conforme a sensibilidade e/ou cultura de cada momento ou grupo. O culto a Maria obteve o seu maior impulso, “generalizando-se o culto à Virgem Maria, vulgarmente designado como culto mariano.” (Carvalho, 2013, p. 127). Com a ascensão do protestantismo, houve uma reação por parte dos católicos que originou o aumento de práticas de culto a Nossa Senhora e a criação de mais festas a Ela dedicadas. Para além disso, segundo Dias (1987), em 1606, o Papa Clemente VIII instituiu a coroação de imagens de Maria e proclamou-a rainha de Portugal, Espanha e França.
 
Nota: Os cinquenta anos das Aparições de Nossa Senhora em Fátima (1967) contaram com a presença do Papa Paulo VI e as comemorações dos cem anos de Aparições (2017) foram presididas pelo Papa Francisco, que viajou como peregrino de Maria, seguindo o lema “Com Maria, peregrino na esperança e na paz”, tendo canonizado Francisco e Jacinta Marto. No ano de 2013, a pedido do Papa Francisco, a imagem de Nossa Senhora de Fátima foi levada para Roma para estar presente nas cerimónias de consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Em 1982, o Papa João Paulo II peregrina a Fátima para agradecer a Nossa Senhora o facto de ter sobrevivido ao atentado de que foi alvo no ano anterior, regressando novamente em 1991 e, mais tarde, em 2000, para beatificar os pastorinhos, Francisco e Jacinta Marto. Em 2010, Fátima recebe a visita do Papa Bento XVI. Tal com dizia o Papa João Paulo II, “«há alguns lugares, nos quais os homens sentem particularmente a presença da Mãe. Não raro estes locais irradiam amplamente a sua luz e atraem a si  gente de longe. (…) Estes lugares são os santuários marianos». (Diocese de Bragança-Miranda, 2016, p. 36).
Mondim recebeu a imagem em 2015, num ambiente de grande festa e, um pouco por todo o concelho foram erigidas pequenas capelas, algumas até particulares, para a comemoração dos 100 anos das aparições. 

Painéis de Azulejos.

- Atividades quotidianas.
 Quase integralmente exclusiva das décadas de 1930 e 1940, a representação das mais relevantes atividades laborais de cada região, principal demonstração etnográfica na azulejaria ferroviária, forma um conjunto compositivo iconograficamente rico e assente na sua mais típica forma, ou seja, com recurso à simples força braçal ou tração animal e sem o auxílio de qualquer elemento mecânico.336
 
A representação paisagística surge, “mais do que espaço físico humanizado, desenhada como o elemento catalizador da identidade nacional, testemunha da história / memória do país, e palco representacional do passado e presente da “Nação”. A paisagem é por isso caracterizada pela propaganda pelo seu carácter “lírico” e “pitoresco”, numa diversidade de aspectos que remetem para estereótipos representacionais de visualização propagandística do país.”
 
A decoração das estações ferroviárias revelam pontos de contacto com a pintura, surgindo um vasto conjunto de representações de rebanhos (ovino, caprino, bovino, equídeo e porcino), muitas vezes acompanhados por um cão pastor. Os animais representam-se também como instrumentos de trabalho, ajudando nas tarefas agrícolas ou principalmente como força de tração, aparelhados em juntas (bois) ou individualmente (burros), transportando diversos produtos, nomeadamente cestos de uvas ou pipas de vinhas ( Mondim de Basto).